Dever e fidelidade
Novembro 01, 2015
O cumprimento do dever foi sempre considerado como virtude máxima de um ser humano. Ocupava em todos os povos um nível mais alto do que tudo mais, mais alto ainda do que a própria vida. Foi de tal modo apreciado, que até conservou o primeiro lugar também entre os seres humanos de raciocínio, aos quais, por fim, nada era mais sagrado do que o próprio raciocínio, a quem se submetiam como escravos.
A consciência do indispensável cumprimento do dever permaneceu, e nem o domínio do raciocínio pôde intervir nisso. As trevas, porém, descobriram um ponto de ataque e roeram a raiz. Também nisto, como em tudo, alteraram o conceito. Ficou a ideia do cumprimento do dever, porém, mas os deveres em si foram estabelecidos pelo raciocínio, tornando-se assim presos à Terra, portanto, fragmentários e imperfeitos.
É, portanto, natural que muitas vezes uma pessoa intuitiva não possa reconhecer como certos determinados deveres a ela atribuídos. Chega a um dilema consigo mesma. O cumprimento do dever é considerado também por ela como uma das leis mais altas que uma pessoa deve cumprir e, não obstante, tem ao mesmo tempo de dizer a si mesma que, cumprindo os deveres que lhe são impostos, age às vezes contra sua própria convicção.
A consequência disso é que não só no íntimo da pessoa que assim se aflige, mas também no mundo da matéria fina, surgem, devido a essa circunstância, formas que causam descontentamento e discórdias também em outros. E devido a isso transmite-se em círculos muito amplos uma mania de crítica e descontentamento, cuja causa propriamente dita ninguém é capaz de encontrar. Não é reconhecível porque o efeito vem da matéria fina. Por intermédio das formas vivas que uma pessoa intuitiva cria, na discordância entre o seu anseio para o cumprimento do dever e o anseio diferente de sua intuição.
Aqui, pois, tem de ocorrer uma modificação, a fim de acabar com esse mal. Dever e convicção íntima devem sempre estar de acordo um com o outro. É errado um ser humano empenhar a vida no cumprimento de um dever, que intimamente não pode reconhecer como certo!
Somente na concordância entre a convicção e o dever, cada sacrifício ganha realmente valor. Mas se a criatura humana empenha a sua vida no cumprimento de um dever, sem convicção, rebaixa-se então a um soldado venal, que luta a serviço de outrem por causa de dinheiro, semelhante aos mercenários. Dessa forma, tal maneira de lutar se torna assassínio!
Se alguém, porém, empenha sua vida por convicção, então possui mesmo amor à causa pela qual resolveu lutar voluntariamente.
E somente isso tem para ele alto valor! Tem de fazê-lo por amor. Por amor à causa! Dessa forma também o dever que ele assim cumpre se tornará vivo e erguido tão alto, a ponto de colocar o seu cumprimento acima de tudo.
Separa-se assim automaticamente o morto e rígido cumprimento do dever, do vivo. E só o que é vivo tem valor e efeito espiritual. Tudo o mais pode servir apenas a finalidades terrenas e do raciocínio, proporcionando vantagens às mesmas, e isso também não permanentemente, mas somente de modo passageiro, uma vez que unicamente o que é vivo consegue existência permanente.
Assim o cumprimento do dever, proveniente da convicção, torna-se legítima fidelidade pela própria vontade, e natural para quem o exerce. Não pretende e nem pode agir de modo diferente, não pode aí tropeçar e nem cair, pois a fidelidade lhe é legítima, está intimamente ligada a ele, sim, é até uma parte dele, a qual não é capaz de colocar de lado.
Obediência cega, cumprimento cego do dever é, por isso, de tão pouco valor como crença cega! A ambas falta a vida, porque nelas falta o amor!
Só nisso o ser humano reconhece logo a diferença entre a legítima consciência do dever e o senso do dever simplesmente cultivado. Um brota da intuição, o outro é compreendido somente pelo raciocínio. Amor e dever nunca podem estar em oposição, pois são uma só coisa, onde sejam intuídos de maneira legítima, florescendo deles a fidelidade.
Onde falta o amor, também não há vida, ali tudo está morto. A tal respeito Cristo já se referiu muitas vezes. Está nas leis primordiais da Criação, por isso é universal, sem exceções.
O cumprimento do dever que brota de uma alma humana, espontâneo e radioso, e aquele que é feito por uma recompensa terrenal, jamais poderão ser confundidos um com o outro, ao contrário, são mui facilmente reconhecíveis. Deixai, portanto, a legítima fidelidade surgir em vós ou permanecei afastados dali onde não puderdes manter a fidelidade.
Fidelidade! Tantas vezes cantada e, não obstante, nunca compreendida! Como em tudo, o ser humano terreno também rebaixou profundamente o conceito da fidelidade, restringiu-o e comprimiu-o em formas rígidas. O grande, o livre e o belo disso se tornaram inexpressivos e frios. O que é natural foi forçado!
Pelos conceitos de hoje, a fidelidade deixou de pertencer à nobreza da alma, foi transformada em uma qualidade do caráter. Uma diferença como entre o dia e a noite. Assim a fidelidade ficou sem alma. Tornou-se um dever, onde é indispensável. Desse modo foi declarada autónoma, encontra-se sobre bases próprias, inteiramente por si e, por isso… errada! Também ela foi torcida e deformada pelo sentido das criaturas humanas.
Fidelidade não é algo autónomo, mas somente qualidade do amor! Do verdadeiro amor que tudo abrange. Abranger tudo, porém, não significa acaso abarcar tudo ao mesmo tempo, segundo a conceção humana, que chega à expressão nas conhecidas palavras: “Abraçar o mundo!” Abranger tudo significa: poder ser estendido para tudo! Para o que é pessoal, como também para o que é objetivo! Não está ligado a algo bem definido, nem destinado a ser unilateral.
O verdadeiro amor nada exclui do que é puro ou do que é conservado puro, quer se trate de pessoas ou da pátria, bem como do trabalho ou da natureza. Nisso reside o abrangimento. E a qualidade desse amor verdadeiro é a fidelidade, que não deve ser imaginada de modo mesquinho e restrito terrenamente, como conceito da castidade.
Verdadeira fidelidade sem amor não existe, da mesma forma que não há verdadeiro amor sem fidelidade. O ser humano terreno de hoje, porém, designa o cumprimento do dever como fidelidade! Uma forma rígida, onde a alma não precisa vibrar em conjunto. Isso é errado. A fidelidade é somente uma qualidade do verdadeiro amor, que está fundido com a justiça, mas que nada tem a ver com estar enamorado.
A fidelidade reside nas vibrações intuitivas do espírito, tornando-se assim uma qualidade da alma.
Hoje, muitas vezes, no cumprimento do dever, uma pessoa serve fielmente a outra pessoa, a quem interiormente tem de desprezar. Isso naturalmente não se pode designar como fidelidade, mas sim permanece exclusivamente cumprimento de deveres terrenos assumidos. É uma questão puramente externa, que pode trazer à pessoa, reciprocamente, também somente proveitos exteriores, quer seja prestígio ou vantagens terrenas.
Verdadeira fidelidade não se pode estabelecer em tais casos, uma vez que ela exige oferecimento voluntário juntamente com o amor, do qual não pode ser separada. Por essa razão a fidelidade nem pode atuar isoladamente!
Mas se os seres humanos vivessem de acordo com o verdadeiro amor, conforme é desejado por Deus, então essa circunstância, unicamente, daria a alavanca para modificar muito entre as criaturas humanas, sim, tudo! Então nenhuma pessoa, interiormente desprezível, conseguiria persistir mais, ainda menos ter sucessos aqui na Terra. Dar-se-ia imediatamente uma grande purificação.
Pessoas interiormente desprezíveis não usufruiriam honras terrenas, nem ocupariam cargos, pois saber do raciocínio, unicamente, não deve dar direito a exercer um cargo!
Dessa forma, o cumprimento do dever tornar-se-ia sempre absoluta alegria, e cada trabalho, um prazer, porque todos os pensamentos e todos os atos estariam completamente perpassados pelo verdadeiro amor desejado por Deus, conduzindo consigo também a fidelidade, ao lado de um inabalável sentimento intuitivo de justiça. Aquela fidelidade que por si própria permanece imutável, como algo natural, não considerada como mérito que deva ser recompensado.
Abdruschin
Dissertação 18 “Dever e fidelidade” da obra “Na Luz da Verdade - Mensagem do Graal”, volume III